Aconteceu comigo na praia de Santos
Tenho uma vida muito sedentária, devido a minha atividade profissional no computador, tendo que estar ligado remotamente a empresas, as quais dou consultoria na área de software, ao mesmo tempo em que escrevo as minhas coisas, converso com muita gente pelo MSN e Skype, consulto meus e-mails, faço minhas pesquisas, desenvolvo alguns programas, etc...
Por causa disto, tenho necessidade de fazer minhas caminhadas, que acontecem na belíssima praia de Santos, onde alguns fatos têm acontecido comigo, não sei se por "acaso" ou por ordem de algum projeto de dimensão maior, já que não são coisas muito comuns.
Hoje, dia 6 de março de 2007, aconteceu algo interessante, continuidade de um fato que ocorrera há mais ou menos um mês, numa destas caminhadas, na mesma orla santista.
Preciso relatar o acontecido aos meus amigos e tecer algumas considerações sobre o fato.
Na orla marítima de Santos, que é muito bonita, tudo acontece, você vê de tudo, sempre tem boa movimentação e fatos, até curiosos, são verificados.
Depois de caminhar alguns quilômetros, na ida, eu sempre paro um pouco, sento num daqueles bancos de madeira e fico a olhar o entra e sai de navios (a maior movimentação portuária do País), o vai-e-vem das pessoas para a areia, tomo os meus picolés (sempre mais de um, de coco, baunilha, morango etc.) e coisas acontecem.
Conforme eu disse, há mais ou menos um mês, deparei-me com uma cena extremamente desagradável:
Um senhor, de idade bastante avançada, postava-se numa cadeira de rodas que era empurrada por um jovem enfermeiro, que estava vestido com calça azul marinho e camisa cinza.
O fato é que este senhor estava bastante irritado, brigando rispidamente, sem parar, com o seu condutor, chingando-o, humilhando-o, com o dedo permanentemente em riste, pronunciando palavras mais ou menos assim:
- "Você é um irresponsável! Tem obrigação de vir trabalhar vestido de branco. Afinal de contas você é um enfermeiro, eu estou pagando para ter um enfermeiro e não um boizinho pra ficar passeando pela praia. Você não é digno da sua profissão, vou telefonar para o doutor fulano e pedir punição para você...".
Neste ínterim, o rapaz, tentando justificar o porque não estava com sua roupa branca de enfermeiro, dizia:
- "Mas seu fulano, a minha roupa..."
E era interrompido, nervosamente, pelo velho:
- "Cale a sua boca! Cale a sua bocaaaaaa! Eu não terminei de falar, seu moleque!..."
E continuava a esculhambar o rapaz, sem parar, não permitindo que ele falasse nada, naquela postura extremamente perturbada de quem se apraz em humilhar os outros.
Agora veja só que praga:
Aquilo acontecendo perto de mim, ao meu lado. Logo eu que não suporto ver ninguém humilhar ninguém, ver ninguém fazer ninguém de fantoche e de objeto seu.
Não pude ficar calado, não me contive e abri a boca:
- "Meu senhor, o senhor está se irritando desse jeito com o rapaz, só porque ele não veio empurrar a sua cadeira vestido de branco?"
Disse-me ele, com o dedo em riste, e bastante nervoso, que já estava:
- "Não lhe interessa, não lhe chamei na conversa, não tenho satisfação nenhuma a lhe dar e suma daqui!".
- "Não vou sumir não, o senhor não me chamou na conversa, de fato, mas eu estou me metendo, sim, porque estou vendo o senhor humilhar e agredir violentamente um ser humano, por coisa irrelevante, que não justifica essa sua absurda irritação".
- "Você me respeita! Eu não tenho satisfações a lhe dar, você não sabe com quem está falando!!!"
Quantas e quantas pessoas não já ouviram esta prepotente frase, em nosso país, a famosa "você não sabe com quem está falando".
- "Eu sei, sim, com quem estou falando. Com um velho neurótico, estúpido, arrogante, prepotente, mal educado, espiritualmente atrasado e que certamente vai ter uma passagem, não para uma melhor, mas para uma muito pior, em profundo estado de perturbação, se não rever essa sua conduta de vida".
A irritação do velho aumentou, ele estava em tempo de ter um infarto, quando determinou (adora determinar) ao seu enfermeiro que chamasse a polícia. O enfermeiro, por sua vez, já estava mais nervoso do que ele, diante daquela situação e, em gesto de mímica, fazia sinal para mim, dando-me a entender que ele queria dizer algo mais ou menos assim:
- "Pode chamar a polícia, que eu vou dizer a ela como o senhor costuma tratar os seres humanos. Mas que o senhor vai ter que me ouvir, isto vai".
E continuei:
- "Vou te dizer uma coisa, meu amigo: Êta cadeirinha de rodas bem merecida! Foi isto que o senhor plantou ao longo da vida. Ao exigir que o rapaz esteja de branco, o que o senhor quer é dizer para os outros, aqui na praia, que o senhor é rico e tem condições de contratar um enfermeiro para cuidados exclusivos. Grandes coisas.
Não te conheço, mas imagino como deve ter sido a sua semeadura, em toda sua trajetória de vida, imagino como o senhor deve ter tratado os seus familiares, sua esposa, se é que ela ainda não o abandonou e seus filhos, se tiver. Pela cara que o enfermeiro está fazendo aí pra mim, tremendo de medo, pelo fato de eu estar dizendo estas coisas na sua cara, ele já denuncia que o senhor é um homem prepotente e perigoso. Imagino, porque conheço vários homens com esse seu perfil, em toda a história da humanidade. Daí eu te pergunto: que competência tem um homem que só consegue impor o respeito pelo temor e pela prepotência?
Ninguém é tão velho que não tenha tempo ainda de aprender. Vê se acorda, meu caro! O senhor ta mais pra lá do que pra cá. Reflita-se e tente viver os seus últimos tempos com dignidade, com um pouco de amor ao próximo. Só assim o senhor vai conseguir dormir direito, com a consciência tranqüila, coisa que com certeza o senhor não tem... E quando morrer, o que não está muito longe, ter um pouco de paz espiritual."
E falei um montão de coisas mais.
O velho ficou uma arara, em tempo mesmo de ter um infarto, xingando todas as minhas gerações, até que eu disse:
- "Eu já disse o que tinha que lhe dizer. Vou-me embora agora, só não lhe digo passe bem, porque tenho certeza que o senhor não faz o menor esforço em passar bem a sua vida. Só tenho a lhe dizer: Reflita no que eu lhe disse e tome juízo, mesmo depois de velho. Mas vou lhe dar um abraço, porque apesar de tudo, o senhor é um ser humano que merece um pouco de carinho, apesar de no seu dicionário não existir esta palavra".
Dei um abraço no velho, que ficou sem palavras. Desta vez quem quase tem um infarto foi o enfermeiro, que também ficou gago, sem saber o que dizer.
Continuei minha caminhada e voltei para casa.
Fiz novas caminhadas nestes dias de lá para cá, sem vê-lo mais, até que hoje o encontrei novamente, mas não percebi. Apenas ouvi um "psiu!!!" insistente. Quando fui observar, notei que era de uma moça gorda (enfermeira), desta vez vestida de branco, conduzindo-o na mesma cadeira de rodas.
- "Meu senhor! Por favor, é com o senhor que eu quero falar. O doutor xxxxx quer falar com o senhor!"
E o velho, o mesmo, que foi quem me percebeu e mandou que a moça me chamasse, também fazia sinal com as mãos chamando, com uma certa dificuldade.
E agora? Não estará esse velho com um revólver escondido, pra me dar um tiro, assim que eu me aproximar, tamanho o ódio que teve de mim, quando eu lhe disse aquele monte de coisas, naquele dia?
Mas eu não estava nem aí e fui em direção a ele, de short e camiseta, suado do jeito que eu estava, devido a caminhada, normalmente; claro que prevenido, porque não sou nenhuma alma especialmente evoluída.
Ao aproximar-me, ele disse:
- "Eu queria te encontrar de novo! Venha, me dê outro abraço daquele!"
E chorava muito, tremendo.
Eu dei outro abraço, ele apertou bem e foi demorado. Sugeriu que a enfermeira empurrasse a sua cadeira de rodas até o banco mais próximo, para que eu sentasse, porque a conversa seria longa, o que foi feito. Perguntou pelo meu nome, identificou-se e começou a falar.
- "Eu sou o Desembargador xxxxxx, fui muito conhecido em São Paulo, não sei se o senhor já ouviu falar no meu nome, mas eu fui muito conhecido. Quero dizer o quanto sou-lhe grato por tudo aquilo que o senhor me disse, naquele dia. Ninguém nunca teve coragem de falar comigo, daquele jeito. Confesso que fiquei profundamente irritado, naquele momento, e supunha que teria um infarto, tamanha a minha raiva. Mas fiquei com suas palavras gravadas em minha mente, sofri muito estes dias, porque não pensava noutra coisa que não fosse naquele momento. Todavia, fui levado à reflexão que o senhor sugeriu.
...
Como eu fui um idiota e prepotente, como eu fui arrogante e arbitrário durante tantos anos para com advogados, outros magistrados e funcionários do fórum; como fui um crápula para com a minha esposa, meus filhos e meus parentes. Por isto encontro explicações dos porquês os meus filhos não me visitarem, nem ao menos telefonarem para saberem como eu estou. Durante toda a minha vida eu nunca me preocupei de fato como eles estavam, sempre os tratei dando ordens, determinando e proibindo-os. Nunca tive a sensibilidade de abraçar ninguém, nem mesmo às pessoas próximas a mim, quanto mais a um estranho..."
E disse um montão de coisas, numa longa conversa, voltando sempre as lágrimas, todas as vezes que repetia o "muito obrigado por aquele abraço que o senhor me deu".
Aí eu, que não sou besta, disse pra ele:
- "Mas doutor xxxxx, o meu trabalho tem um preço. Data Vênia, doutor, mas eu vou cobrar."
- "Pode cobrar, não se incomode, porque eu sou um homem de muitas posses, muitas reservas... Pagarei com muito gosto".
- "Não, doutor. O que eu vou lhe cobrar não é dinheiro não. Vou dizer ao senhor como o senhor deve me pagar."
- "E como é que eu devo lhe pagar?"
- "Telefone pra os seus filhos, estejam eles onde estiverem, convide-os, carinhosamente, para um bom churrasco na sua casa ou mande preparar um bom salmão, e ME CONVIDE, CUMPADI, pra comer esse churrasco, que eu adoro comer na casa dos outros!!!".
O velho, surpreendido, abriu um bom sorriso, esboçou um ar de alegria e felicidade, pediu o meu número de telefone e endereço, dizendo para a gordinha enfermeira:
"Por favor, minha filha, tome nota do telefone e endereço dele."
Veja como alguma coisa já mudou, já usou o "Por favor, minha filha".
Seguimos os nossos caminhos.
Isto aconteceu hoje. Estou aguardando o telefonema para o churrasco. Se tiver um pudimzinho depois, não fará mal a ninguém.
E daí? O que é que tiramos disto?
Eu sempre disse em meus programas de televisão, em minhas colunas de jornais, meus livros e escritos alguma coisa que faço questão de repetir sempre:
Precisamos dizer às pessoas o que elas precisam ouvir, o que nem sempre é o que elas querem ouvir.
Devemos fazer todos os esforços para nos ver distantes da terrível mania de querermos ser bonzinhos de fachada, para com os outros; humildes de teatralização e evoluídos espiritualmente apenas de fingimentos.
A demagogia, a hipocrisia e o falso moralismo é algo tão repugnante, tão mesquinho e ridículo, que o próprio Jesus, o maior espírito que Deus já enviou à Terra, foi extremamente rigoroso e enérgico com isto, todas as vezes que se via diante de criaturas fingidas, mascaradas e de moralidade apenas teatralizada.
É preciso que as criaturas entendam que ser enérgico, em relação a alguém, não significa que estejamos sendo agressivos e, muito menos, violentos com esse alguém.
Quando um médico determina que um enfermeiro aplique uma injeção de benzetacil na gente, não está sendo agressivo nem o médico nem o enfermeiro, pelo fato do medicamento ser tão dolorido e nos deixar com a bunda sem condições de sentar direito por três ou mais dias.
Quando Deus inventou a febre para o homem, ele não quis fazer simplesmente que o homem sofresse um pouco mais, quando doente; ele criou este sintoma como ALERTA para que as pessoas percebam que alguma coisa não está bem no seu organismo, que alguma inflamação ou problema de outra ordem está presente no corpo e precisa de tratamento. De fato é horrível quando a gente está com febre, mas é uma benção!
Um colégio que tem coragem de reprovar alunos, não se intimidando com ameaças de pais insensatos e ridículos que exigem que os seus filhos passem de ano, de qualquer jeito, sabendo ou não, é um colégio coerente e responsável. Ser bonzinho e se ver forçado a passar todo mundo, é algo que só agrada pais (burros) e alunos naquele momento, porque no futuro trará conseqüências altamente danosas.
É muito comum alguns escritores, que se utilizam de energia quando têm que denunciar algumas coisas, receberem "conselhos" de alguns "amigos", com argumentos mais ou menos assim:
- "Você precisa ser mais diplomático no que diz e escreve. Deve ser mais político. Pode dizer tudo o que tem a dizer com outras palavras".
- "Você é muito polêmico, e a polêmica não leva a nada". Será?
Traduzindo esse tipo de recomendação, quer dizer o seguinte:
Você precisa ser mais falso, mais fingido, mais demagogo e hipócrita, enganando mais as pessoas. Você precisa mostrar uma personalidade diferente daquilo que você realmente é, pra todo mundo ter a impressão (basta ter a impressão) de que você é a pessoa "mais boa" do mundo.
Que me desculpem os arautos dessa "diplomacia", mas posturas desse tipo, só cabem em pessoas altamente canalhas e de mau caráter.
É preciso que aprendamos a saber dizer:
Diante de uma mulher, que constantemente reclama de maus tratos do marido: "Você já procurou fazer uma auto análise profunda, pra ver se no fundo no fundo a culpa dos problemas do lar não é sua? Será somente ele o agressivo dentro de casa? Não serão os dois, tanto um como outro, dois perturbados, impacientes, autoritários e provocadores de brigas?"
E vice-versa, quando determinados homens reclamam das mulheres.
Os pais dos dias de hoje, precisam herdar as coisas boas dos pais de tempos passados, como a autoridade (não a prepotência), em relação aos filhos, sobretudo os adolescentes:
- "Nesta casa você vai ter que respeitar, porque quem manda aqui sou eu, você depende de mim, quem sustenta esta casa sou eu, e quem dita as normas aqui sou eu. Nesta casa existem regras que serão obedecidas , queira ou não queira".
Algumas mães me relatam, em conversas, que não sabem mais o que fazer com os seus filhos adolescentes, porque toda hora que lhes dizem alguma coisa, eles chegam ao ponto de mandá-las tomar em algum lugar, batem a porta e saem xingando, sem lhes dar a menor satisfação. Está certo isto, gente?
Muitos pais precisam ser mais racionais e deixarem se bestas em terem que se submeter a determinados modismos, impostos por alguns psicólogos desequilibrados e por governos demagogos e insensatos, que criam coisas mal projetadas e mal planejadas, como o tal estatuto do adolescente, que permite que menores de idade façam o que querem neste País, até mesmo assassinando pessoas, impunemente, e ainda vem políticos e ministros estúpidos afirmarem que "não podemos legislar na questão da maioridade criminal, diante de comoção nacional". Vão legislar, quando?
Um país que, legalmente, considera um jovem de 16 anos lúcido, apto, responsável e consciente para escolher o próprio Presidente da República e a formação do Congresso Nacional, além de poder conduzir um automóvel que pode provocar graves acidentes tirando a vida de pessoas, mas ao mesmo tempo diz que esse mesmo jovem é criança, não tem responsabilidade e não sabe o que faz, na hora de assumir responsabilidades e pagar por crimes hediondos praticados por ele, é um país irresponsável, insensato e extremamente ridículo.
O mundo carece de mais seriedade, entre as criaturas. Não a seriedade da cara fechada e sizuda, mas a seriedade de sinceridade que não é precipitada e muito menos mal educada, de autenticidade, de dignidade a toda prova, de caráter e de conduta moral, que não seja a moralidade de aparência, de moda, de época, de conveniências e nem de etiquetas de sociedade.
Será que o velho desembargador teria processado em si a reflexão por que passou, se o estranho que o abordou, chegasse para ele e dissesse:
- "Meu senhor, boa tarde, como vai o senhor? Olhe, não me leve a mal, com muito amor e muito carinho, eu queria conversar um pouquinho com o senhor. Mês desculpe, mas será que o senhor não está se enervando atoa, por causa da roupa do seu enfermeiro? Olha, a sua pressãozinha pode subir mais, meu tiozinho querido! Me desculpe, viu?" .
Tem também aqueles, a maioria, que adota a postura do:
- É melhor eu não me meter, eu não tenho nada a ver com isto, cada um com seus problemas e que se danem os outros.
E aí vivemos uma sociedade de omissão absoluta, onde impera o egoísmo, a insensibilidade humana e a absoluta indiferença em relação ao próximo, principalmente por parte daqueles que falam tanto no nome de Jesus, da boca para fora, sem qualquer conteúdo no coração e na alma que tenha alguma afinidade com ele.
Chega de tanta falsidade, gente! Chega de tanto faz de conta!
Façamos uma revisão na forma como estamos vivendo, em relação ao nosso próximo e testemos fazer algo diferente, por mais que a recompensa seja apenas o convite pra comer um bom churrasco com um pudim depois.
Embora energicamente, mas com muito carinho.
Alamar Régis Carvalho
Analista de Sistemas e Escritor
Tenho uma vida muito sedentária, devido a minha atividade profissional no computador, tendo que estar ligado remotamente a empresas, as quais dou consultoria na área de software, ao mesmo tempo em que escrevo as minhas coisas, converso com muita gente pelo MSN e Skype, consulto meus e-mails, faço minhas pesquisas, desenvolvo alguns programas, etc...
Por causa disto, tenho necessidade de fazer minhas caminhadas, que acontecem na belíssima praia de Santos, onde alguns fatos têm acontecido comigo, não sei se por "acaso" ou por ordem de algum projeto de dimensão maior, já que não são coisas muito comuns.
Hoje, dia 6 de março de 2007, aconteceu algo interessante, continuidade de um fato que ocorrera há mais ou menos um mês, numa destas caminhadas, na mesma orla santista.
Preciso relatar o acontecido aos meus amigos e tecer algumas considerações sobre o fato.
Na orla marítima de Santos, que é muito bonita, tudo acontece, você vê de tudo, sempre tem boa movimentação e fatos, até curiosos, são verificados.
Depois de caminhar alguns quilômetros, na ida, eu sempre paro um pouco, sento num daqueles bancos de madeira e fico a olhar o entra e sai de navios (a maior movimentação portuária do País), o vai-e-vem das pessoas para a areia, tomo os meus picolés (sempre mais de um, de coco, baunilha, morango etc.) e coisas acontecem.
Conforme eu disse, há mais ou menos um mês, deparei-me com uma cena extremamente desagradável:
Um senhor, de idade bastante avançada, postava-se numa cadeira de rodas que era empurrada por um jovem enfermeiro, que estava vestido com calça azul marinho e camisa cinza.
O fato é que este senhor estava bastante irritado, brigando rispidamente, sem parar, com o seu condutor, chingando-o, humilhando-o, com o dedo permanentemente em riste, pronunciando palavras mais ou menos assim:
- "Você é um irresponsável! Tem obrigação de vir trabalhar vestido de branco. Afinal de contas você é um enfermeiro, eu estou pagando para ter um enfermeiro e não um boizinho pra ficar passeando pela praia. Você não é digno da sua profissão, vou telefonar para o doutor fulano e pedir punição para você...".
Neste ínterim, o rapaz, tentando justificar o porque não estava com sua roupa branca de enfermeiro, dizia:
- "Mas seu fulano, a minha roupa..."
E era interrompido, nervosamente, pelo velho:
- "Cale a sua boca! Cale a sua bocaaaaaa! Eu não terminei de falar, seu moleque!..."
E continuava a esculhambar o rapaz, sem parar, não permitindo que ele falasse nada, naquela postura extremamente perturbada de quem se apraz em humilhar os outros.
Agora veja só que praga:
Aquilo acontecendo perto de mim, ao meu lado. Logo eu que não suporto ver ninguém humilhar ninguém, ver ninguém fazer ninguém de fantoche e de objeto seu.
Não pude ficar calado, não me contive e abri a boca:
- "Meu senhor, o senhor está se irritando desse jeito com o rapaz, só porque ele não veio empurrar a sua cadeira vestido de branco?"
Disse-me ele, com o dedo em riste, e bastante nervoso, que já estava:
- "Não lhe interessa, não lhe chamei na conversa, não tenho satisfação nenhuma a lhe dar e suma daqui!".
- "Não vou sumir não, o senhor não me chamou na conversa, de fato, mas eu estou me metendo, sim, porque estou vendo o senhor humilhar e agredir violentamente um ser humano, por coisa irrelevante, que não justifica essa sua absurda irritação".
- "Você me respeita! Eu não tenho satisfações a lhe dar, você não sabe com quem está falando!!!"
Quantas e quantas pessoas não já ouviram esta prepotente frase, em nosso país, a famosa "você não sabe com quem está falando".
- "Eu sei, sim, com quem estou falando. Com um velho neurótico, estúpido, arrogante, prepotente, mal educado, espiritualmente atrasado e que certamente vai ter uma passagem, não para uma melhor, mas para uma muito pior, em profundo estado de perturbação, se não rever essa sua conduta de vida".
A irritação do velho aumentou, ele estava em tempo de ter um infarto, quando determinou (adora determinar) ao seu enfermeiro que chamasse a polícia. O enfermeiro, por sua vez, já estava mais nervoso do que ele, diante daquela situação e, em gesto de mímica, fazia sinal para mim, dando-me a entender que ele queria dizer algo mais ou menos assim:
- "Pode chamar a polícia, que eu vou dizer a ela como o senhor costuma tratar os seres humanos. Mas que o senhor vai ter que me ouvir, isto vai".
E continuei:
- "Vou te dizer uma coisa, meu amigo: Êta cadeirinha de rodas bem merecida! Foi isto que o senhor plantou ao longo da vida. Ao exigir que o rapaz esteja de branco, o que o senhor quer é dizer para os outros, aqui na praia, que o senhor é rico e tem condições de contratar um enfermeiro para cuidados exclusivos. Grandes coisas.
Não te conheço, mas imagino como deve ter sido a sua semeadura, em toda sua trajetória de vida, imagino como o senhor deve ter tratado os seus familiares, sua esposa, se é que ela ainda não o abandonou e seus filhos, se tiver. Pela cara que o enfermeiro está fazendo aí pra mim, tremendo de medo, pelo fato de eu estar dizendo estas coisas na sua cara, ele já denuncia que o senhor é um homem prepotente e perigoso. Imagino, porque conheço vários homens com esse seu perfil, em toda a história da humanidade. Daí eu te pergunto: que competência tem um homem que só consegue impor o respeito pelo temor e pela prepotência?
Ninguém é tão velho que não tenha tempo ainda de aprender. Vê se acorda, meu caro! O senhor ta mais pra lá do que pra cá. Reflita-se e tente viver os seus últimos tempos com dignidade, com um pouco de amor ao próximo. Só assim o senhor vai conseguir dormir direito, com a consciência tranqüila, coisa que com certeza o senhor não tem... E quando morrer, o que não está muito longe, ter um pouco de paz espiritual."
E falei um montão de coisas mais.
O velho ficou uma arara, em tempo mesmo de ter um infarto, xingando todas as minhas gerações, até que eu disse:
- "Eu já disse o que tinha que lhe dizer. Vou-me embora agora, só não lhe digo passe bem, porque tenho certeza que o senhor não faz o menor esforço em passar bem a sua vida. Só tenho a lhe dizer: Reflita no que eu lhe disse e tome juízo, mesmo depois de velho. Mas vou lhe dar um abraço, porque apesar de tudo, o senhor é um ser humano que merece um pouco de carinho, apesar de no seu dicionário não existir esta palavra".
Dei um abraço no velho, que ficou sem palavras. Desta vez quem quase tem um infarto foi o enfermeiro, que também ficou gago, sem saber o que dizer.
Continuei minha caminhada e voltei para casa.
Fiz novas caminhadas nestes dias de lá para cá, sem vê-lo mais, até que hoje o encontrei novamente, mas não percebi. Apenas ouvi um "psiu!!!" insistente. Quando fui observar, notei que era de uma moça gorda (enfermeira), desta vez vestida de branco, conduzindo-o na mesma cadeira de rodas.
- "Meu senhor! Por favor, é com o senhor que eu quero falar. O doutor xxxxx quer falar com o senhor!"
E o velho, o mesmo, que foi quem me percebeu e mandou que a moça me chamasse, também fazia sinal com as mãos chamando, com uma certa dificuldade.
E agora? Não estará esse velho com um revólver escondido, pra me dar um tiro, assim que eu me aproximar, tamanho o ódio que teve de mim, quando eu lhe disse aquele monte de coisas, naquele dia?
Mas eu não estava nem aí e fui em direção a ele, de short e camiseta, suado do jeito que eu estava, devido a caminhada, normalmente; claro que prevenido, porque não sou nenhuma alma especialmente evoluída.
Ao aproximar-me, ele disse:
- "Eu queria te encontrar de novo! Venha, me dê outro abraço daquele!"
E chorava muito, tremendo.
Eu dei outro abraço, ele apertou bem e foi demorado. Sugeriu que a enfermeira empurrasse a sua cadeira de rodas até o banco mais próximo, para que eu sentasse, porque a conversa seria longa, o que foi feito. Perguntou pelo meu nome, identificou-se e começou a falar.
- "Eu sou o Desembargador xxxxxx, fui muito conhecido em São Paulo, não sei se o senhor já ouviu falar no meu nome, mas eu fui muito conhecido. Quero dizer o quanto sou-lhe grato por tudo aquilo que o senhor me disse, naquele dia. Ninguém nunca teve coragem de falar comigo, daquele jeito. Confesso que fiquei profundamente irritado, naquele momento, e supunha que teria um infarto, tamanha a minha raiva. Mas fiquei com suas palavras gravadas em minha mente, sofri muito estes dias, porque não pensava noutra coisa que não fosse naquele momento. Todavia, fui levado à reflexão que o senhor sugeriu.
...
Como eu fui um idiota e prepotente, como eu fui arrogante e arbitrário durante tantos anos para com advogados, outros magistrados e funcionários do fórum; como fui um crápula para com a minha esposa, meus filhos e meus parentes. Por isto encontro explicações dos porquês os meus filhos não me visitarem, nem ao menos telefonarem para saberem como eu estou. Durante toda a minha vida eu nunca me preocupei de fato como eles estavam, sempre os tratei dando ordens, determinando e proibindo-os. Nunca tive a sensibilidade de abraçar ninguém, nem mesmo às pessoas próximas a mim, quanto mais a um estranho..."
E disse um montão de coisas, numa longa conversa, voltando sempre as lágrimas, todas as vezes que repetia o "muito obrigado por aquele abraço que o senhor me deu".
Aí eu, que não sou besta, disse pra ele:
- "Mas doutor xxxxx, o meu trabalho tem um preço. Data Vênia, doutor, mas eu vou cobrar."
- "Pode cobrar, não se incomode, porque eu sou um homem de muitas posses, muitas reservas... Pagarei com muito gosto".
- "Não, doutor. O que eu vou lhe cobrar não é dinheiro não. Vou dizer ao senhor como o senhor deve me pagar."
- "E como é que eu devo lhe pagar?"
- "Telefone pra os seus filhos, estejam eles onde estiverem, convide-os, carinhosamente, para um bom churrasco na sua casa ou mande preparar um bom salmão, e ME CONVIDE, CUMPADI, pra comer esse churrasco, que eu adoro comer na casa dos outros!!!".
O velho, surpreendido, abriu um bom sorriso, esboçou um ar de alegria e felicidade, pediu o meu número de telefone e endereço, dizendo para a gordinha enfermeira:
"Por favor, minha filha, tome nota do telefone e endereço dele."
Veja como alguma coisa já mudou, já usou o "Por favor, minha filha".
Seguimos os nossos caminhos.
Isto aconteceu hoje. Estou aguardando o telefonema para o churrasco. Se tiver um pudimzinho depois, não fará mal a ninguém.
E daí? O que é que tiramos disto?
Eu sempre disse em meus programas de televisão, em minhas colunas de jornais, meus livros e escritos alguma coisa que faço questão de repetir sempre:
Precisamos dizer às pessoas o que elas precisam ouvir, o que nem sempre é o que elas querem ouvir.
Devemos fazer todos os esforços para nos ver distantes da terrível mania de querermos ser bonzinhos de fachada, para com os outros; humildes de teatralização e evoluídos espiritualmente apenas de fingimentos.
A demagogia, a hipocrisia e o falso moralismo é algo tão repugnante, tão mesquinho e ridículo, que o próprio Jesus, o maior espírito que Deus já enviou à Terra, foi extremamente rigoroso e enérgico com isto, todas as vezes que se via diante de criaturas fingidas, mascaradas e de moralidade apenas teatralizada.
É preciso que as criaturas entendam que ser enérgico, em relação a alguém, não significa que estejamos sendo agressivos e, muito menos, violentos com esse alguém.
Quando um médico determina que um enfermeiro aplique uma injeção de benzetacil na gente, não está sendo agressivo nem o médico nem o enfermeiro, pelo fato do medicamento ser tão dolorido e nos deixar com a bunda sem condições de sentar direito por três ou mais dias.
Quando Deus inventou a febre para o homem, ele não quis fazer simplesmente que o homem sofresse um pouco mais, quando doente; ele criou este sintoma como ALERTA para que as pessoas percebam que alguma coisa não está bem no seu organismo, que alguma inflamação ou problema de outra ordem está presente no corpo e precisa de tratamento. De fato é horrível quando a gente está com febre, mas é uma benção!
Um colégio que tem coragem de reprovar alunos, não se intimidando com ameaças de pais insensatos e ridículos que exigem que os seus filhos passem de ano, de qualquer jeito, sabendo ou não, é um colégio coerente e responsável. Ser bonzinho e se ver forçado a passar todo mundo, é algo que só agrada pais (burros) e alunos naquele momento, porque no futuro trará conseqüências altamente danosas.
É muito comum alguns escritores, que se utilizam de energia quando têm que denunciar algumas coisas, receberem "conselhos" de alguns "amigos", com argumentos mais ou menos assim:
- "Você precisa ser mais diplomático no que diz e escreve. Deve ser mais político. Pode dizer tudo o que tem a dizer com outras palavras".
- "Você é muito polêmico, e a polêmica não leva a nada". Será?
Traduzindo esse tipo de recomendação, quer dizer o seguinte:
Você precisa ser mais falso, mais fingido, mais demagogo e hipócrita, enganando mais as pessoas. Você precisa mostrar uma personalidade diferente daquilo que você realmente é, pra todo mundo ter a impressão (basta ter a impressão) de que você é a pessoa "mais boa" do mundo.
Que me desculpem os arautos dessa "diplomacia", mas posturas desse tipo, só cabem em pessoas altamente canalhas e de mau caráter.
É preciso que aprendamos a saber dizer:
Diante de uma mulher, que constantemente reclama de maus tratos do marido: "Você já procurou fazer uma auto análise profunda, pra ver se no fundo no fundo a culpa dos problemas do lar não é sua? Será somente ele o agressivo dentro de casa? Não serão os dois, tanto um como outro, dois perturbados, impacientes, autoritários e provocadores de brigas?"
E vice-versa, quando determinados homens reclamam das mulheres.
Os pais dos dias de hoje, precisam herdar as coisas boas dos pais de tempos passados, como a autoridade (não a prepotência), em relação aos filhos, sobretudo os adolescentes:
- "Nesta casa você vai ter que respeitar, porque quem manda aqui sou eu, você depende de mim, quem sustenta esta casa sou eu, e quem dita as normas aqui sou eu. Nesta casa existem regras que serão obedecidas , queira ou não queira".
Algumas mães me relatam, em conversas, que não sabem mais o que fazer com os seus filhos adolescentes, porque toda hora que lhes dizem alguma coisa, eles chegam ao ponto de mandá-las tomar em algum lugar, batem a porta e saem xingando, sem lhes dar a menor satisfação. Está certo isto, gente?
Muitos pais precisam ser mais racionais e deixarem se bestas em terem que se submeter a determinados modismos, impostos por alguns psicólogos desequilibrados e por governos demagogos e insensatos, que criam coisas mal projetadas e mal planejadas, como o tal estatuto do adolescente, que permite que menores de idade façam o que querem neste País, até mesmo assassinando pessoas, impunemente, e ainda vem políticos e ministros estúpidos afirmarem que "não podemos legislar na questão da maioridade criminal, diante de comoção nacional". Vão legislar, quando?
Um país que, legalmente, considera um jovem de 16 anos lúcido, apto, responsável e consciente para escolher o próprio Presidente da República e a formação do Congresso Nacional, além de poder conduzir um automóvel que pode provocar graves acidentes tirando a vida de pessoas, mas ao mesmo tempo diz que esse mesmo jovem é criança, não tem responsabilidade e não sabe o que faz, na hora de assumir responsabilidades e pagar por crimes hediondos praticados por ele, é um país irresponsável, insensato e extremamente ridículo.
O mundo carece de mais seriedade, entre as criaturas. Não a seriedade da cara fechada e sizuda, mas a seriedade de sinceridade que não é precipitada e muito menos mal educada, de autenticidade, de dignidade a toda prova, de caráter e de conduta moral, que não seja a moralidade de aparência, de moda, de época, de conveniências e nem de etiquetas de sociedade.
Será que o velho desembargador teria processado em si a reflexão por que passou, se o estranho que o abordou, chegasse para ele e dissesse:
- "Meu senhor, boa tarde, como vai o senhor? Olhe, não me leve a mal, com muito amor e muito carinho, eu queria conversar um pouquinho com o senhor. Mês desculpe, mas será que o senhor não está se enervando atoa, por causa da roupa do seu enfermeiro? Olha, a sua pressãozinha pode subir mais, meu tiozinho querido! Me desculpe, viu?" .
Tem também aqueles, a maioria, que adota a postura do:
- É melhor eu não me meter, eu não tenho nada a ver com isto, cada um com seus problemas e que se danem os outros.
E aí vivemos uma sociedade de omissão absoluta, onde impera o egoísmo, a insensibilidade humana e a absoluta indiferença em relação ao próximo, principalmente por parte daqueles que falam tanto no nome de Jesus, da boca para fora, sem qualquer conteúdo no coração e na alma que tenha alguma afinidade com ele.
Chega de tanta falsidade, gente! Chega de tanto faz de conta!
Façamos uma revisão na forma como estamos vivendo, em relação ao nosso próximo e testemos fazer algo diferente, por mais que a recompensa seja apenas o convite pra comer um bom churrasco com um pudim depois.
Embora energicamente, mas com muito carinho.
Alamar Régis Carvalho
Analista de Sistemas e Escritor
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